22/04/2020
Atualizada: 23/04/2020 13:09:35
Passaram apenas quatro meses do início do ano para cá. Ninguém esperava que as rotinas de toda a sociedade mudaria, que a economia sofreria uma queda abrupta e que haveria mais de 170 mil mortes, tudo decorrente de um novo vírus.
No entanto, isso é o que vem acontecendo e tem como causa a doença infecciosa COVID-19, ou coronavírus, que assolou o mundo, atingindo o status de pandemia. O impacto é tão grande, que empresas produtoras de higienizantes importantes como álcool gel, álcool hidratado e hipoclorito, não estão conseguindo suprir a demanda, o que vem causando uma escassez desses produtos e aumento dos preços.
Na contramão desses problemas, docentes do Instituto de Química e Biotecnologia (IQB) e do Centro de Tecnologia (CTEC) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) vêm organizando e coordenando uma força-tarefa que consiste na produção de álcool em gel e hidratado líquido, além de hipoclorito de sódio. Esses materiais são direcionados ao Hospital Universitário (H.U.) e doados para instituições filantrópicas como orfanatos, asilos, entre outras.
A professora do IQB Valéria Rodrigues Malta, é uma das coordenadoras da equipe que está produzindo os materiais higienizantes e trabalha diariamente, desde o dia 17 de março, para atender a necessidade. “Primeiro tivemos que mudar a estrutura do nosso laboratório para que pudéssemos trabalhar, porque na verdade eles são laboratórios de ensino. Dessa forma, o grupo começou a produzir de fato no dia 23 de março e até hoje, todos os dias, exceto sábado e domingo”, conta a doutora.
A equipe é formada por alunos da graduação, da pós-graduação, docentes, ex-alunos e técnicos, que fazem parte dos cursos de Química, Biologia, Nutrição, entre outras áreas. Em média, 15 a 20 pessoas trabalham diariamente no laboratório.
“Fazemos o revezamento dos que estão vindo aqui diariamente ajudar na produção, exceto eu e a professora Tatiane Balliano (IQB), que estamos coordenando a força-tarefa; nós estamos vindo todos os dias e só saímos por volta das 18h”, explica Malta.
Para produzir os higienizantes, a equipe também conta com doações dos materiais necessários. Desde o fornecimento de almoço e lanche diário, até as embalagens, espessante e do álcool, que vem numa especificação diferente da exigida pela Anvisa. “As usinas Caeté, Sumauma, Santo Antônio e a GranBio supriram a gente com álcool. Os recipientes são da Plastec e de outras distribuidoras, dessa forma, até o momento estamos trabalhando com doações”, diz Valéria.
A equipe do IQB trabalha conjuntamente com a equipe do Laboratório de Sistema de Separação e Otimização de Processos (Lassop), que vem realizado a destilação do álcool recebido pelas empresas, deixando ele no padrão exigido pela Anvisa.
“Na realidade o álcool que está chegando das usinas normalmente está inferior a 70 INPM, então temos que adicionar um álcool com concentração mais elevada, para depois dosar e chegar a 70 INPM, dando uma pureza a ele. Esse é o álcool líquido, e a partir desse álcool, eles [equipe do IQB] utilizam para a produção do álcool gel”, explica a professora aposentada do CTEC, Sandra Carvalho, que está como visitante, fazendo parte da coordenação do processo de destilação de álcool.
Os equipamentos no Lassop, que eram utilizados unicamente com a finalidade de ensino, tiveram que ser reestruturados para serem reaproveitados na produção em grande escala do álcool 70. A produção chega a ser de 25 litros por hora.
Já a produção do álcool em gel é um pouco diferente. “A gente pega o álcool a 93%, realizamos o cálculo para poder corrigir e chegar no percentual correto, de 70%, depois fazemos a diluição do espessante, misturando ele com álcool, e é nessa etapa que ele adquire o aspecto de viscosidade, se tornando o álcool em gel. Isso diminui um pouco a sua capacidade inflamável, comparado ao álcool hidratado. Depois disso, em equipamentos que a gente desenvolveu junto com o CTEC, conseguimos envasar em recipientes e, em seguida, rotular”, relata a professora Valéria Malta, do IQB.
Semanalmente, parte do material é enviado para o Hospital Universitário, que já recebeu, desde o início da produção, mais de 5 mil litros de álcool hidratado e quase mil litros de álcool em gel. A outra parte dos higienizantes são recebidas por instituições filantrópicas.
“Sabemos que esses são produtos importantíssimos para higienizar e manter um paciente livre da contaminação, como também para se prevenir desse vírus que está assolando o mundo. É uma ação preventiva o que estamos fazendo”, diz Malta.
O cansaço não é a única coisa gerada pelo trabalho incessante dessas equipes, também existe a gratidão, conforme afirma a estudante de pós-graduação em Engenharia Química, Sannyele Alcântara.
É um cansaço que traz um pouco de alegria porque vemos que a nossa formação ajuda de alguma maneira - Sannyele Alcântara, estudante de pós-graduação
“A gente se sente muito bem. É um cansaço que traz um pouco de alegria porque vemos que a nossa formação ajuda de alguma maneira, tendo em vista a situação mundial, a necessidade das pessoas, e vendo que as próprias indústrias que produzem todos esses produtos não estão dando conta; então estamos conseguindo ajudar de alguma maneira. É um retorno muito legal”, compartilha Sannyele.
Outro material que está sendo produzido pela comunidade da Ufal é o protetor facial. O Laboratório de Computação Científica e Visualização (LCCV) tem utilizado impressoras 3D para confeccionar os protetores, que são ítens essenciais utilizados por profissionais da saúde, para evitar o contágio do coronavírus. Ao todo, são seis impressoras 3D que trabalham na produção, três cedidas pelo Sebrae, uma do próprio laboratório e duas do FAB Lab.
“O protetor facial é composto por três partes: uma parte superior e uma inferior, ambas produzidas por meio de impressão 3D, e na parte frontal, como escudo, nós temos uma lâmina de acetato. Os três são encaixados formando o protetor. Ele é utilizado junto com alguns Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para auxiliar na proteção contra a contaminação da COVID-19”, explica o pesquisador e engenheiro civil Emerson Santos, que é um dos voluntários na equipe.
Assim como nos outros laboratórios citados nesta matéria, o LCCV também conta com o auxílio de doações de materiais por parte de empresas, como a Petrobrás, a Algas e a Aloo Telecom, para conseguir confeccionar os protetores.
Importância do investimento público
Entendendo todo esse trabalho realizado e a função social que a Universidade exerce, neste caso, atendendo à população alagoana através dos serviços do H.U. e doações, é possível perceber a importância do investimento público na ciência e na educação.
“Claro que se tivéssemos mais recursos a gente poderia investir em equipamentos mais apropriados, mas a gente vai trabalhando com o que a gente tem e de certa forma a gente vêm conseguindo”, diz o professor do CTEC João Inácio Soletti, que também faz parte da coordenação do processo de destilação de álcool.
A docente Sandra Carvalho também reforça a necessidade do investimento público em pesquisa.
“Hoje, a pesquisa é um pouco sucateada então nós temos poucos órgãos de fomento, como a Capes, o CNPq e a Fapeal, mas fazer pesquisa não é uma coisa barata. Os equipamentos precisam de manutenção, às vezes há desperdício de material pois nem tudo dá certo, se desse certo não era uma pesquisa; então está muito difícil de fazer pesquisa no Brasil, porque a verba é muito pouca e a demanda necessária para o crescimento é grande”, conclui a doutora em Engenharia Química.
As atividades dos laboratórios devem perdurar pelos próximos meses, enquanto houver demanda, considerando o aumento das infecções por coronavírus em Alagoas.