20/02/2013
Atualizada: 20/02/2013 00:00:00


Arte & Cultura| 19/02/2013 | Copyleft 

Igreja e poder nas favelas de Buenos Aires

Novo filme do ator argentino Ricardo Darín, ‘Elefante Branco‘, em cartaz nos cinemas, conta uma história inspirada no padre Carlos Mugica, assassinado pelo movimento direitista Triple A em 1974. Os brasileiros ainda poderão conferir na tela uma paisagem de Buenos Aires que conhecem pouco, sua periferia, marcada pelo tráfico de drogras e a violência policial.

 
 
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Buenos Aires - Existem alguns filmes que têm o poder de colocar o dedo na ferida e se dar bem. ‘Elefante Branco‘, de Pablo Trapero (Argentina, 2012), é um bom exemplo disso. Introduzir a realidade no cinema é algo sempre complexo, ainda mais quando não se deseja cair no melodrama. 

E abordar a questão das favelas de Buenos Aires - ou vilas, como se diz por aqui -, sem derrapar no panfleto, é uma dificuldade ainda maior. Com inteligência, o filme consegue evitar essas armadilhas e descobre uma realidade que ainda dói na Argentina contemporânea.

A história é protagonizada pelo padre Julian (Ricardo Darín), um sacerdote comprometido com os pobres e que trabalha em uma favela na cidade de Buenos Aires. Ele é acompanhado em suas obrigações por Nicolás (Jeremie Renier), um padre francófono que acabara de sobreviver a um massacre de ribeirinhos na Amazônia, cometido por um grupo de paramilitares. Ambos são apoiados por Luciana (Martina Gusman), uma assistente social que trabalha na dura realidade do bairro. 

O "elefante branco" em questão é um prédio abandonado, que se trata em si de um símbolo da trágica história argentina: é o esqueleto de um hospital destinado a ser o maior da América Latina, cuja construção iniciou-se há meio século e nunca foi concluída, fruto das idas e vindas das políticas nacionais. Ao lado do esqueleto, cresceu uma enorme favela.

Os dois padres e a assistente social tentam transformar essa dura realidade. E, ao longo do caminho, eles enfrentam a hierarquia católica, que, fiel à sua tradição, é surda aos problemas dos mais pobres. O tráfico de drogas e seu consumo envolvem os jovens com o crime organizado, algo comum da Argentina contemporânea. 

Como costumeiro em algumas regiões do Brasil, aqui também a polícia entra na favela como um ator agressivo, buscando consolidar a subordinação social de uma comunidade que tenta resistir. Diante disso, os protagonistas lutam com suas próprias dúvidas éticas e morais sobre a fé, o amor e a razão.

O filme, ambientado na Argentina de hoje, é dedicado ao padre Carlos Mugica, uma figura emblemática na Argentina dos anos setenta e que foi identificada com o Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo. Ele foi assassinado a mando da organização direitista Triple A (Aliança Argentina Anticomunista) em 11 de maio de 1974, em um contexto de radicalização política que terminou com a chegada da ditadura militar do general Videla, em 24 de março de 1976. 

Entre suas repercussões, o filme reabriu o debate sobre as relações entre a hierarquia da igreja e setores poderosos do país. Foi um grande sucesso cinematogrático de 2012. A ficção também serviu para colocar no centro da discussão pública as dívidas pendentes de uma Argentina que tem crescido a taxas chinesas durante a última década, mas não deixou para trás as graves desigualdades sociais e nem reconstruiu o tecido social destruído pela sangrenta ditadura, entre 1976 e 1983. 

Filmado com uma poderosa estética do documentário, com cuidadosa fotografia, o filme de Pablo Trapero é também uma ode ao cinema comprometido com a realidade, uma tradição cinematográfica que tem, felizmente, boa saúde na América Latina.



 
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Fonte: Carta Maior

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